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Blog Dois Pernods

Notas Silenciosas



Eu era um garoto e estava prestes a entrar em cena. No camarim, havia uma placa onde estava escrito "SILÊNCIO". No palco, atrás da cortina, atores permaneciam no escuro e em silêncio. Alguns espalhados pelo espaço cênico e outros pelas coxias, mas todos absolutamente concentrados.


Quando você vai a um hospital, também é comum que nos corredores você veja placas com a palavra "SILÊNCIO". Num set de filmagens, antes de gritar "AÇÃO", o diretor ou seu assistente pedem "SILÊNCIO NO SET".


Na plateia de um cinema ou de um teatro, antes da "magia acontecer", o que se pede é que "FAÇAM SILÊNCIO" porque "o show vai começar".


Em reuniões de negócios das grandes empresas (participei de algumas importantes), durante a explanação ou apresentação de uma nova proposta de expansão de negócios ou de um novo produto a ser lançado no mercado, o que se costuma fazer é "MANTER O SILÊNCIO" para que todos compreendam a ideia.


Um grande amigo que é maestro de uma orquestra sinfônica, num papo informal, um dia me disse que a música, na verdade, "É FEITA DE SILÊNCIOS" e não só de notas musicais: "As notas musicais não seriam nada sem as pausas, os tempos, os silêncios que ali estão".


O que o trabalho de um ator, os corredores de um hospital, a plateia de uma sala de apresentações, a sala de reuniões de uma grande empresa, um set de gravações e a música tem em comum?

A resposta é simples: Para que haja concentração, cura, absorção de conteúdo, bons resultados, compreensão de uma explanação ou para que se viva a experiência de uma obra (musical ou falada), o silêncio é necessário.


Entendam a importância do silêncio na vida até para olhar um quadro em exposição. Isso é extremamente importante e necessário:


Se você observá-lo comentando algo, nem um Van Gogh será capaz de tocar sua alma, de transforma-la em algum ponto ou de entrar verdadeira e honestamente em você.


Se você conversa durante uma cena que está em andamento, você atrapalha a compreensão de quem assiste e a concentração dos atores que estão trabalhando no palco.


É preciso que silenciemos nossos ruídos internos e externos para que sejamos capazes de nos conectarmos com o que os outros (artistas, pessoas e obras) tem para nos oferecer.


Esses dias li que vivemos "OS TEMPOS MAIS BARULHENTOS E PERTURBADORES DA NOSSA PRÓPRIA HISTÓRIA", pelo excesso de informações que fornecemos ou que consumimos e encontramos. Saber filtrar e regular isso tem sido uma arte.


Nunca foi tão necessário regularmos e filtrarmos nossos próprios ruídos. Às vezes podemos achar que estamos "conectados", sem que verdadeiramente estejamos. A grande verdade é que "só há escuta no silêncio".


Eu trabalho em silêncio e com silêncios há anos. Considero que meu trabalho está ficando cada vez mais silencioso, por sinal. "Silêncio... Zera tudo..." é o que sempre peço ( falando baixinho para os atores ) antes mesmo da cena começar, nos meus treinamentos. Faço isso para que não iniciemos o trabalho com os ruídos sociais naturais que provocamos ao chegar. É preciso zerar tudo. Quando estou como ator, eu mesmo "me zero".


Arte é um trabalho delicado, sensível e de cunho absolutamente técnico e emocional. Tenho a necessidade de me conectar com o silêncio em vários momentos para me encontrar com as emoções genuínas e verdadeiras do ser humano que estou vivendo.


Nós, atores, trabalhamos com emoções que muitas e muitas vezes não são nossas e, às vezes, com outras que até são, mas que são delicadas e caras ao empréstimo verdadeiro para a cena em sua jornada. Às vezes esse empréstimo é tão caro que é necessário uma concentração para separar as laranjas que já estão no cesto daquilo que já sabemos como é porque já vivemos e já sentimos na pele.


Para transmitir essas emoções com autenticidade e naturalidade, antes de tudo, nós precisamos compreender aonde nos encontramos e nos conectamos com elas e como conseguimos externa-las. Para isso, é necessário procurar, compreender, saltar de pontes sem redes de segurança, emprestar-se por inteiro, de verdade e sentir como, quando e onde elas vão bater em cada espectador.


Silenciar meus ruídos internos e me isolar dos externos tem sido uma meta cada vez mais necessária no trabalho que venho desenvolvendo comigo mesmo e com meus atores há 23 anos.


Faça um pequeno teste consigo mesmo: Silencie agora mesmo tudo a sua volta e perceba o nível de conexão que você terá consigo mesmo e com tudo aquilo que te circunda.


Talvez a vida (ou a vida em cena) seja um pouco como a música: Sem os silêncios entre as notas, perdemos as nuances e sutilezas de sua própria sinfonia.

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